Tivemos em Porto Alegre, até meados dos anos 1960, a Doca das Frutas, também chamada de mercado flutuante.
Localizada no cais do porto – avenida Mauá – em frente ao prédio do Palácio do Comércio, abrigava as embarcações que traziam sua produção das lavouras nas regiões próximas.
A comercialização era preponderantemente de frutas e verduras, realizadas pelas famílias dos agricultores, nos moldes das feiras modelo de hoje.
Um dos passeios preferidos de meu pai, que em seguida virou o meu também, era de pescar lambaris no Guaíba, nos pequenos espaços entre os barcos.
Com o Vauxhall preto estacionado pertinho, munidos com as varas envernizadas de bambu, anzóis mosquito e pequenas rolhas de cortiça colorida, buscávamos um lugarzinho adequado para encher o balde feito de zinco, cedido à força pela mãe.
Guardo na memória a alegria sentida quando pescava, tendo no pequenino anzol, uma bolinha moldada com miolo de pão e água. Como era fácil.
Talvez esta predileção do velho tenha sido demonstrada pelos aquários que tínhamos em casa. Provável influência para os aquários que, anos mais tarde, passei a ornar minhas residências também. Minha nossa, que trabalheira!
Em outro momento da infância, o fascínio por colecionar álbuns de figurinhas igualmente remetia às outras queridas recordações, estas no início dos anos 1970.
Os motivos alternavam-se entre carros, aviões, clubes de futebol etc.
Como a mesada era curta, precisávamos contar com um bocado de sorte para trocar as figurinhas mais raras e desejadas ou mesmo vencer nos jogos do bafo.
Essas, entre tantas boas experiências, fazem parte do meu álbum de meninice, que ficou parcialmente preenchido. Não por recursos ou azar nos joguinhos, mas por obra do destino. Aquela admiração por colecionar momentos de felicidade desapareceu.
No filme As Cinco Pessoas Que Você Encontra No Céu (2004), Eddie, interpretado por Jon Voight, é um idoso senhor que fazia a manutenção em um parque de diversões quando morre, ao tentar salvar uma criança de um acidente.
No céu, ele vai encontrando pessoas que cruzaram sua vida em diferentes estágios. Elas o assistem para que tenha melhor compreensão do que fora sua vida.
Uma delas, seu sofrido e autoritário pai que, mesmo mantendo-se severo e carrancudo, desperta em Eddie um profundo sentimento de compaixão por aquele que sempre desejara tivesse sido mais amigo, acolhedor e amoroso.
Aos prantos, o perdoa.
Este nobre gesto permaneceu resguardado em meu peito desde aquela época das coleções de figurinhas.
Por vezes eu o destrancava para o convívio familiar nas ocasiões comemorativas.
Ao longo do tempo e maturidade, consegui ter a compreensão do que aconteceu. Porém, nunca tive coragem em vida – assim como Eddie – mas sigo minhas alegres coleções, preenchendo aquele álbum, enquanto nosso reencontro não chega.