– Cadê seu livro, Carlos?
– Roubaram.
– De novo?!
– Sim, Mas já ouvi dizer que vão repor, daqui uns sete anos. Menos mal.
– Mas que coisa, hein, tchê?
– Pois é… Só falta, nesse ínterim, picharem a gente. Imagina nós dois, discretos, pichados com tinta amarela, ou laranja, ou outra cor arregalada.
– Bah, seria um vexame pra quem vê, e pra quem cuida. Nós não, já até viramos estátua… Mas a prefeitura aqui da minha terra deve estar de olho nisso.
– Fina ironia… Tenho certa pena de quem senta aqui conosco, por vezes. A criatura vem para um encanto, e encontra depredação. Tem sempre uma pedra nesse caminho…
– E pedra dura, como vida de poeta, Carlos. Mas duremos e perduremos, nos versos.
– Admiro sua resiliência, Mario. De onde vem isso, meu lírico amigo?
– Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas! (*)
– Bonito. Então só nos resta ficar aqui, sonhando e rimando, poetas que somos?
– É isso aí, meu caro Drummond. Coisas simples. E agora, queres fazer o quê?
– Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira. (**)
– Ok, eu topo.
(*) Das utopias – Mario Quintana – 1951
(**) Convite Triste – Carlos Drummond de Andrade – 1934