Ananyr Fajardo em foto de Jorge Almeida

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Ananyr Porto Fajardo

Nascido no interior de Lisarb em meio ao bug do milênio, tudo nele era ímpar – monolíngue, heterossexual, fanático por um dos dois times de futebol da cidade, igual a todos os amigos –, exceto sua visão de mundo, que era binária. Era “eu ou eles”, eles sendo os diferentes, os servis, os nativos. Foi criado orgulhoso de suas origens e inabalável em suas ideias. O certo é o direito, o resto é errado. Ah, e acreditava que o mundo terminava na linha do horizonte.

Devido a velhas teorias renascidas, sua família deixou de ser oligárquica e os descendentes se proletarizaram junto a uma indústria que monopolizava a produção no território. Apesar do sangue lisarbiano e do ideário corporativo com o qual assentia, o sonho do jovem onipotente esboroou-se na rígida hierarquia da empresa globalizada.

Entre a democracia (que parecia mais ameaça do que oportunidade) e o ressurgimento de propostas monoculares, apostou em mudanças que considerava justas para reforçar o status quo. Seguia convicto de suas escolhas na vida (que nem escolhas eram, mas sim certezas únicas).

Foi estudar economia na capital, precisou aprender outra língua, suportou colegas oriundos de estratos desfavorecidos e casou-se com uma moça tradicional. Mergulhou na carreira para contribuir com a nova ordem vigente: o mercado acima de tudo. Em quatro anos, tudo estaria diferente e seu futuro garantido.

Só que não.

Interessou-se por um colega de trabalho, sofreu com madrugadas de insônia (não pelo filho que teve, mas pelo homem que não era) e os investimentos em moedas virtuais se dissiparam. Seus valores despencaram: o time caiu para a terceira divisão, o artilheiro assumiu ser homossexual, a irmã se divorciou para ficar com uma vizinha.

A vida dele, feita de “ou”, tornou-se uma rotina encerrada em si mesma, sem criação nem novidade. Tudo muito seguro. Ainda labutando, não abria mão de suas convicções.

Envelheceu sozinho com um pet que lhe custava mais do que podia pagar, e doente por falta de acesso a recursos públicos. Finalmente aposentado, com uma renda pífia graças a uma reforma que apoiou em nome de um futuro melhor, mantinha-se na linha da sobrevivência.

Tinha chegado lá. Nada como a força de vontade.


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