Autora: Juliane T. Farina
E lá estava ele a me fitar como se pedisse para ser meu. Lembrava nitidamente quando o vira pela primeira vez enfeitando os cabelos de minha amiga. Eu o desejei assim que ela se exibiu com o presente da dinda da capital. Hoje, pouco sei dos encantamentos daquele passador de fita de cetim preto e dourado. Mas naquela tarde, eu estava ali, sozinha com ele no quarto de minha amiga e, como quem reivindica um direito justo mas indeferido pelo sistema, coloqueio em minha bolsa e saí feliz.
Chegando em casa, tranqueime no banheiro ansiosa para ver como ficaria lindo aquele laço de fita em meus cabelos. E, justo diante do espelho, a magia do laço começou a se desfazer: a beleza que vira nos cabelos de minha amiga não acontecia com os meus. O laço não se acomodava, não combinava, não me dava a graciosidade que os adultos apontavam nela. O direito com que me apossara do laço se transformava num roubo. Pior. O roubo poderia ser delatado pelo próprio objeto que eu desejara.
Comecei a perceber que a posse do laço era um segredo que jamais poderia revelar sem que relatasse meu delito. Era um tormento escutar minha amiga falar do laço que perdera, tanto quanto esconder o objeto em meus armários. Ainda por cima, começava a conviver com a consciência que tal ato produzia em minha cabeça de criança: o que eu queria não era o laço, era uma posição social, um olhar, um lugar que a criança em mim atribuía ao objeto. Função para a qual, aos poucos, ele se mostrava incompetente.
O roubo do laço de fita foi meu primeiro aprendizado da inveja. Esse sentimento que nos ensina, ainda crianças, que não somos todos iguais; que as meninas não são todas tratadas como belas como diz o discurso; que, ao contrário do que escutava no sermão da missa, bemaventurados eram os bonitos e ricos, e não os misericordiosos. A pureza se desfaz em momentos assim, onde a própria infância revela sua potência de maldade, a semente dos bullyings, a plantação das aprisionantes exigências de felicidade, o arado de um corpo constantemente faltante de algo a consumir, a escassez de uma beleza sempre aquém do possível.
É claro que a passagem pela adolescência tende a desfazer esses mal estares, erigindo na singularidade de cada existência, valores capazes de sustentar a si mesmos, sem roubar nada que não lhes pertença. Mas, infelizmente, não cansamos de ver por aí meninos grandes que não aprenderam nada com a primeira inveja. Seguem acumulando os objetos alheios, enfraquecendo os outros com suas maldades. Na tentativa de se manterem num lugar que supõem invejável, exibem, em praça pública, seus laços roubados.
Pobres meninos.