Ela tem uma relação de amor e ódio com o teatro.
Quer dizer, não chega a ser ódio, talvez uma revolta. Acho que mais uma tristeza. Isto pelo fato de ter sido ele o responsável por sua primeira vergonha em público. Ela devia ter uns oito ou nove anos e iria participar de uma peça que seria apresentada, no dia das mães, na escola. Papel pequeno, é verdade. Apenas uma fala. Mas todos tinham uma ou duas falas. Eram crianças e, provavelmente, a professora sabia que, nervosos, seria melhor ter pouco a dizer.
Chegou o grande dia. Auditório lotado de mães orgulhosas de seus pequenos. E não é que no seu momento de glória esqueceu o texto? Errou o início e aí deu um branco. Que vergonha! A professora escondida na coxia, dizia: pega teu papelzinho no bolso. Ali estava a cola salvadora. E quem disse que ela conseguia ler? Olhos marejados só enxergavam letras duplas. A solução foi sair dali correndo aos prantos. Nunca mais quis participar de nenhuma apresentação na escola. Odeio teatro, ela disse para a professora que a veio consolar.
Na adolescência, com o ballet, começou sua relação de amor com o teatro.
Passou a ir em apresentações, raras é verdade, mas ela adorava. Ficava extasiada com a performance dos bailarinos. Olhos fixos no palco. Nada desviava sua atenção. Ou quase nada.
Numa noite, sentada num local privilegiado naquele lindo, antigo e todo reformado teatro, ela estava ansiosa pelo espetáculo, apesar de ser dança moderna que não era seu estilo preferido. Mas uma prima seria a principal bailarina e ela estava lá para prestigiá-la.
As cortinas se abrem.
Num fundo negro, vê-se o desenho de uma lua cheia linda, branca e cintilante. Cinco bailarinas à frente desse cenário bem ao fundo do palco. Palco escuro. Só se viam as silhuetas das bailarinas contrastando com aquela lua branca. E elas começam a caminhar lentamente. Braços à frente do corpo. A cada passo, o levantar de um dos braços em frente ao rosto. E elas avançavam devagar com o trocar de braços. Passos lentos, muito lentos. Levaram uns cinco minutos, ou mais, para chegar à frente do palco. Em dança, isso é uma eternidade. Uma cena densa. Ela, maravilhada com aqueles corpos que transmitiam uma angústia naquele caminhar.
De repente, ela ouve um som. Quase um grunhido. Olhou para o lado e sabem o que viu? Um homem dormindo! Boca aberta, cabeça para trás tombando na sua direção. A mulher que ele estava acompanhando, absorta no desempenho das bailarinas, nem viu que seu parceiro estava num sono profundo, roncando. Provavelmente contrariado de ter ido até lá, entediou-se e dormiu. Será que ele também esqueceu alguma fala na infância e, por isso, odeia teatro?
Felizmente, apresentações como esta da Companhia que sua prima participava devolveram a ela este sentimento de amor que tem até hoje pelo teatro.