No tempo em que Narciso nasceu, as florestas eram mágicas e povoadas por seres fantásticos.
Um velho vidente disse a seus pais que ele seria muito feliz, mas que jamais poderia ser exposto ao próprio reflexo. Enquanto crescia, o jovem percebeu que era muito desejado e, não se sabe se por medo ou vaidade, iniciou a desprezar e destratar todos seus pretendentes.
Uma das vítimas de suas bruscas rejeições foi a ninfa Eco, que lhe irritava particularmente por seu falatório contínuo. A delicada ninfa, sentindo-se desprezada, pediu a deusa da vingança que jogasse uma maldição sobre o rapaz. Desta forma, ele ficou destinado a se apaixonar por alguém que não poderia correspondê-lo.
Naquele dia havia um grande alvoroço na floresta, pois Zeus, senhor do Olimpo, comparecia ao banho matinal das ninfas e se divertia entre as jovens e doces presenças femininas.
Sua esposa Hera procurava o marido em meio às árvores, ouvindo de longe risadas. Seguia uma trilha no bosque.
Foi quando Eco atravessou o caminho e desandou em um falatório sem fim, desviando a atenção da deusa. Quando chegou ao lago, Hera encontrou somente Zeus banhando-se solitário.
Ela percebeu a tramoia e amaldiçoou Eco que, a partir daquele momento, não conseguiu mais falar nada além da última palavra de seu interlocutor.
Ao terminar seu encontro com Hera, Eco escapou e se escondeu na mata. Foi quando viu Narciso. Ele percebeu a presença de alguém e perguntou: quem está aí?
Eco estava sentada em uma pedra próxima a um laguinho cheio de reflexos, respondeu: Aí!
Quem está aí? Aí!
Narciso aproximou-se do lago e viu sua imagem refletida. Se apaixonou. Tentava tocar a imagem, mas ela desaparecia toda vez que sua mão alcançava a água. O rapaz ficou ali, raptado por seu próprio reflexo. Passaram-se dias e ele não se afastava. Seu um mundo se resumiu em ter, cuidar e honrar sua própria imagem. Desesperado pela não correspondência se atirou no lago para abraçar o ser que via espelhado. Se afogou.
Eco frustrada por ser incapaz impedir a morte do ser que tanto amava, aquele que jamais a viu de verdade, se internou no fundo de uma caverna.
Passaram-se muitos anos, foram-se séculos. Os bosques foram corrompidos e as cavernas detonadas. Lagos se transformaram em possas poluídas. Os olímpicos deixaram de receber oferendas e tiveram os templos abandonados. Foram viver nos mitos, na filosofia e na psicologia. Desta forma, os espíritos de Eco e Narciso tiveram que se retirar de seus antigos abrigos. Encontraram morada dentro de homens e mulheres.
Hoje os encontramos pelas ruas, às vezes dentro de nós mesmos. Os lagos foram substituídos por celulares e as cavernas por algoritmos.