Quando viajo busco memorizar pontos referenciais que indiquem a rota que estou seguindo. Claro que uso os aplicativos de mapas, mas nem sempre tenho sinal de comunicação no celular. Esta prática já me salvou de gastar energias procurando o caminho de volta. Passado algum tempo, estas referências inexistem nas lembranças que carrego dos espaços visitados. Entretanto, as narrativas que traduzem experiências vividas sempre estão linkadas a um tempo espacial material, isto é, a um lugar físico.
– Você é daqui? Onde você morava na infância?
– Sim. Morava em Porto Alegre.
Minha resposta poderia referenciar o micro espaço, isto é, a residência em que vivi. Mas, de fato, minha morada na infância sempre foi maior do que aquelas paredes guardadas por muros e com um único número acimentado ao lado da porta de entrada. Morei nas brincadeiras com outras crianças nas calçadas urbanas; nos jogos de vôlei das quadras da escola; nas pescarias com meu pai no Rio Guaíba; nos piqueniques, com família e amigos, nas praças floridas de vários bairros; na beira das águas que contornam a cidade, em acampamentos de férias escolares; na Rua da Praia – a despeito do nome oficial ser Rua dos Andradas, em passeios com meu avô; nos filmes, com pipoca, assistidos no Cinema Gioconda; nos passeios de carro, aos domingos, com meu pai contando histórias de sua infância e apresentando lugares que ampliavam, cada vez mais, a minha casa. Nestes domingos, eu sempre era atendida ao fazer o pedido: pai, podemos passar pela torre do castelo?
Castelo. Era assim que eu reconhecia aquela paisagem. A fumaça saindo pela boca da torre deveria ser de um caldeirão, exalada pela efervescência de receitas mágicas, de fórmulas que energizassem o ar e realizassem sonhos, iluminando a vida das pessoas. Ainda subiria até o topo e veria, lá de cima, o outro lado do mundo. Quando eu avistasse este outro lado, aí sim, minha casa seria um reino e eu a rainha. Na época acreditava em contos de fada, embora me encantassem os poderes daqueles chapéus e capas voando em vassouras encantadas.
Chego em Porto Alegre e avisto a torre – Usina do Gasômetro: o castelo da torre fumegante. Agora tenho certeza.
Estou em casa.