Cais, saudade em pedra, é o nome de um livro de Moacir Lopes que li quando adolescente. O título me atraiu, mas aquela pedra sempre me pareceu muito rígida para acompanhar minhas lembranças do cais da cidade. Que, longe da dureza das pedras, me remetiam a leveza e alegrias.
Minha família paterna foi muito ligada às águas. Minha bisavó nasceu dentro de um veleiro. Meu avô tinha mais de trinta embarcações que faziam comércio entre as cidades do estado banhadas por rios. Meu pai foi marinheiro, na juventude, e conservou a paixão pelas águas navegáveis. Quando sabia que um navio do Lloyds aportava no cais, dava jeito de viajar com a família até Rio Grande, a rota usual das embarcações. Esses passeios eram costumeiros para nós, e sempre motivo de alegria: nunca havia muitos passageiros, éramos bem recebidos pela tripulação e, além do amplo convés, contávamos com a imensidão do oceano, que nos recebia após cruzarmos a Lagoa dos Patos.
Havia ainda navios de menor porte, que faziam roteiros fluviais, e por diversas vezes fizemos passeios até Triunfo, General Câmara ou outra cidade próxima. Sem contar as lanchas e a barca que levava regularmente até Guaíba. Estas saíam de outro cais, pequeno, na Vila Assunção. Mas o bom mesmo era quando embarcávamos no vapor Porto Alegre, branquinho, com grandes rodas laterais, que cruzava o Guaíba, então transformado em Mississípi, na imaginação.
As obras de construção do porto se iniciaram em 1911 e, em 1927, já contava com mais de um quilômetro de extensão, com vários armazéns e guindastes. Depois de paralisações e retomadas, a conclusão geral só ocorreu em 1962. O cais Mauá era muito movimentado, podíamos passear por lá livremente e observar o fluxo dos barcos, que descarregavam e carregavam mercadorias. Os armazéns amarelos eram motivo de orgulho: a estrutura foi construída na França e montada aqui, e havia poucos similares no mundo.
Hoje não há mais movimento, o transporte fluvial foi abandonado nessa terra de tanta exuberância de águas. Sem memórias que embasem o sentimento de perda de conquistas passadas, fica até fácil compreender a indiferença daqueles que assistem com frieza ao isolamento sofrido pelo nosso cais.