Don Pepe e eu
Dora Almeida
Naquela tarde um montinho de pelo gris de olhinhos amareluz entra porta a dentro e toma conta de mim com seu motorzinho de ronronar ligado, seus lambeijos de linguinha áspera e deliciosas massagens no meu colo, logo eu que nunca dei a mínima para bichinhos de estimação mas há sempre um dia em que todas as nossas certezas caem por terra, bicho dá muito trabalho, imagina se vou querer gato dentro de casa para fazer sujeira, detesto cheiro de cocô de gato, sem falar no xixi que é um horror, largando pelo por tudo quanto é canto, sabe como é, quando não estamos a fim usamos todas as desculpas só que , num impulso, ao ver uma amiga com um gatinho desses perguntei onde encontraria um, porque decidi que eu queria porque queria um gatinho igual e, eis que dois dias depois me chega aquele pequeno ser e já vai tomando conta também da casa, aprendendo na hora a usar a caixinha de areia, subindo no sofá , já arranhando tudo, mas não importa, acho até engraçadinho , o nome já estava escolhido, Don Pepe, por causa do uruguaio Don Pepe, figura pública que admiro , mas é Pepe para os íntimos, Pepito ou simplesmente Gato, que qualquer nome serve, pois atende quando quer, vem no colo quando quer, dorme comigo quando quer, agora mesmo está enfiado numa caixa de papelão que chegou ontem, tirando seu cochilo da tarde, sei que daqui a pouco ele aparece, caminhando na maior elegância como é típico dos gatos, passinhos de fazer inveja até à Gisele Bündchen – acho que as modelos se inspiram nos felinos quando estão nas passarelas – pula na mesa e talvez dê algum palpite neste texto que leio em voz alta para que ele ouça pois , como vocês sabem, nestes tempos de pandemia e isolamento conversamos muito nós dois, ele me olha com atenção, acredito que, se o confinamento demorar mais um pouco Don Pepe vai responder, pois ultimamente anda miando, coisa que não fazia quando era bebê, agora já um mocinho de quase um ano de idade, se já está miando para falar falta pouco, mas como eu falo por dois, vamos conversando eu mesma respondo ou falo por ele que me pergunta se não é hora do café, pois sabe que ganha uma colherinha de requeijão que nem sei se gato come requeijão mas Don Pepe se lambuza com um requeijãozinho, não come mais nada , só a ração chique que sua Dinda traz de presente, porque gato que se preza tem até madrinha , a família é pouco convencional, ele não tem mãe, só tem vó, que sou eu e meu neto é o pai mas não mora conosco, agora estamos pensando num irmãozinho para ele, amadurecendo a ideia, que desta vez não é por impulso mas por várias insinuações do tipo tens que ter outro gatinho, ele precisa de alguém para brincar e por aí vai, e olha o Pepe chegando da sesta, vai dar uma espiada na rua, pena que hoje não tem sol na sua varanda particular que é o peitoril da janela , então aproveito para segurá-lo no colo bem abraçadinho e me deliciar com o ronronar, os lambeijos , os olhinhos amareluz e a maciez desse gatinho gris que, seguramente, já tomou conta de mim.