Delícia de ditongo
Alexandre Wahl Hennigen
Com o calor dos últimos dias anunciando a chegada do verão, comprei dois potes de sorvete, um de pistache e outro de morango, meus favoritos. Enquanto comia, lembrei-me de como a alimentação nos traz um prazer visceral e espiritual ao mesmo tempo. Talvez seja a atividade que une a mente e o corpo de forma mais intensa. Ainda mais em português.
Nosso idioma é afeito à gastronomia. Os fonemas descrevem o alimento. Comer um rocambole não seria o mesmo em inglês, alemão ou japonês, mesmo se esse tipo bolo existisse nos lugares que falam essas línguas. Percebam: o “ro” vai girando sobre as outras sílabas, sobe pelo “cam”, tropeça no encontro consonantal, dá uma paradinha na tônica “bo” e desce até o final do “le” com suavidade. Bem redondo. A pipoca, ao contrário, diz o que faz estourando bem seca: pi-po-ca.
Soubemos pegar palavras emprestadas com maestria. O abacaxi do tupi, que significa fruto com cheiro agradável, é muito mais saboroso e representativo do que maçã com pinha do inglês ou o insosso e repetitivo “ananas” do espanhol e do francês. “Ananas” não tem nem cor. “Papaya” tampouco. Compare-o com mamão e seu ditongo que explode na boca e sai pelo nariz. Dá para quase ver as sementinhas rolando depois de ser partido ao meio.
A língua portuguesa ainda é modesta: quando uma sobremesa fica melhor no idioma original, nós respeitamos e incorporamos a palavra. Se um restaurante servisse espuma de chocolate, ninguém pediria. Já uma musse tem o seu valor amplificado. As bolhas de ar estouram fazendo um barulhinho gostoso, como se a língua estivesse contando um segredo para o palato. Efeito semelhante tem o suflê, seja de chuchu – e percebam que nome fofo para um vegetal sem gosto; não é à toa que chamamos assim quem nos é querido – ou de abobrinha, nesse diminutivo que a transforma em muito mais do que uma abóbora de pescoço.
A própria nega maluca e politicamente incorreta é muito mais do que um bolo de chocolate. É a esquizofrenia do paladar. A gente põe na boca e nem sabe mais o que pensar. O papo-de-anjo nos aproxima do prazer celestial com aquelas gemas se derretendo e empachando as papilas gustativas. É uma vontade de quero mais que só se compara com seu primo quindim, bem mineirim, mais sequim e chei de coco.
Minha maior decepção? Ainda não termos uma palavra que substitua “milkshake”.