Anti-heróis modernos
Maristela Rabaiolli
O filme Coringa, dirigido por Todd Phillips e interpretado por Joaquin Phoenix (Oscar de melhor ator), retrata a vida de Arthur Fleck, palhaço que trabalha para uma agência de talentos e sonha tornar-se comediante de stand-up. O protagonista, que sofre de um distúrbio emocional manifestado por risadas incontroláveis ou choro violento, vê sua vida rumar para a criminalidade quando é demitido e percebe que seu sonho ruiu.
Na volta pra casa, no metrô, presencia uma discussão entre três homens, fica nervoso e começa a rir incontrolavelmente. Por conta disso, é perseguido, mas, para surpresa do público, consegue matá-los com uma crueldade excepcional. Ali começa a saga do anti-herói americano. Um homem branco que se torna assassino em série por várias razões: negligência da sociedade, falhas do programa assistencial, instabilidade mental e isolamento social.
Mas não são só os norte-americanos que dispõem de anti-heróis. O Brasil também tem o seu representante, e muito famoso, por sinal. Não. Não estou falando de Sérgio Cabral ou de outro político. Refiro-me a Macunaíma, de Mário de Andrade, interpretado no cinema por Grande Otelo e Paulo José. O protagonista é um herói negro que vira branco, preguiçoso e sem caráter. Um mentiroso que engana para sobreviver e tirar vantagem, um malandro que cai na conversa dos demais, um egoísta tragado pelo individualismo dos outros e um mulherengo que sofre por mulher. Muito semelhante ao Arlequim fanfarrão da Comedia Dell’arte italiana. Alguém se identifica?
Por falar em personagem, lembrei-me das máscaras de que nos fala Nietzsche. Foi ele quem observou que a raiz da palavra pessoa deriva do latim persona, que significa máscara ou personagem. Logo, uma pessoa é composta de várias personas, isto é, num único dia, ela pode representar vários personagens, depende de onde, como, quando, por que e com quem se relaciona. Quanto à experiência das máscaras, o filósofo nos ensina que depois de removermos uma, percebemos que há outra e mais outras por baixo, cada vez mais difíceis de tirar. Parecem não ter fim. São várias camadas que nos impedem de nos conhecermos de verdade, mas, quando removidas, provocam verdadeira libertação.
E você, meu coringa, quantas máscaras usou hoje?