Olhos de mim
Dio Santanna
Um instante. E o tempo se fez tempo, fora do tempo. Compasso lento e sofrido de ser o que se é. Na ponta dos pés, o coração rodopia. Se refaz. A dor, poesia a girar. E me continuo, dualidade que só na palavra se esgota.
Imensidão. Há tantos caminhos a mirar. “Nenhuma solidão é tanta que não possa ser companhia”. Como quem olha o mar. Como quem volta a amar.
Às vezes, desisto de mim, mas só às vezes.
Esses olhos de vigia como um anzol logo fisgam o instante em que o delírio se ausenta e me devolvem. Que a lucidez seja breve.
Volto. Acaba-se a vertigem. O abismo que carrego, agora é travessia. Um ser. Outro não-ser. Partida dolorida. Um cúmplice apenas: essa fenda de loucura no emaranhado caos nosso de cada dia. Leveza que só encontro com uma dose a mais.
Uma dose a mais, de mim.
Há mortes que se morrem lentamente, por pura falta de delírio. Pesa a vida não vivida.
A alma seca sem nem saber, em dias como hoje, de amanhãs atravessados na garganta. E essa brisa suave que não passa. Não passa.
Quero vendaval pra me tirar daqui.
E que prazer é esse que de repente, invade e me toma inteira? E num misto de medo e desejo, encontra uma alma que não se completa. O amor e a palavra, suas metades.
Falto-me.
Busca incansável. Por não ser querer vazio, simplesmente. Entre uma morte lenta e um delírio, o inexorável pacto. Da alma e seus “eus”. A navegar neste turbilhão que é a vida.
Quero a palavra para me manter à deriva. Habita-me . E o amor, pra meu delírio.
Olhos de mim, vigiem. Desnudem o que a alma não mostra. E a palavra grita.