Dora Almeida em foto de Lia Zanini

O gato de Virgínia

Dora Almeida

Festa estranha, com gente esquisita, pensou Edgar, ao entrar naquela casa, também um pouco estranha. Ao som de Black Magic Woman , Virgínia, a dona da casa, dançava num círculo onde as pessoas batiam palmas numa cadência alucinante. Cabelos crespos e ruivos, do tipo mignon, aproximou-se dele e o puxou para o centro da roda. Dançaram os dois até cansar, os corpos banhados de suor.  Conversaram muito e se encantaram um pelo outro.  Ela, um pouco mais velha, fazia um doutorado na universidade. Falou de sua pesquisa sobre as mulheres na Idade Média, disse gostar de magia e meditação. Ele contou do seu trabalho num escritório de Arquitetura e do sonho de ser arquiteto.

Todo mundo foi embora, mas Edgar ficou. A casa cheirava a sândalo. Na cozinha, ervas, chás e temperos. Edgar descobriu que Virgínia cozinhava bem e fazia um chá delicioso.

– Você gosta de gatos? Podemos morar juntos, aqui, nós três. Eu, você e o Lucio, meu gato preto.

Edgar trouxe mala e cuia, o notebook e todo seu amor. Lúcio cheirou-o, esfregou-se em suas pernas, e saiu de perto, deitando no sofá.

– Ele vai gostar de você. Sabe que você me ama.

Mas o gato, presente o tempo inteiro, olhava para o novo morador de um jeito nada amistoso. Intrometia-se entre os dois quando estavam juntos, pulando sempre no colo dela. Um dia, Edgar perdeu a paciência e chutou-o porta afora. Virgínia não gostou, segurou Lúcio nos braços, lançando-lhe um olhar fulminante. A convivência foi ficando difícil. Edgar, sentindo-se em segundo plano.

Coisas estranhas começaram a acontecer. Cada vez que ele escorraçava o gato, uma gata, também preta, aparecia e os dois o atacavam. Virgínia afirmava desconhecer a gata, mas os felinos tanto arranharam o rapaz que ele desistiu. Iria embora.

Virgínia, com o gato ao colo, observou-o sair, sem dizer nada.

Ele nunca mais a viu. Às vezes, passava em sua casa, mas não a encontrava. Deitados nos degraus, o casal de gatos.


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