Nara Accorsi em foto de Gilberto Perin

Para sempre

Nara Accorsi

Começamos num pub falando banalidades. À medida que a noite crescia, o assunto rareava e pausas constrangedoras aconteciam. O fio da meada se desprendia, escapando pelas mãos. Até que, esgotados os artifícios, o silêncio se impôs. Ele tomou minha mão, e de olhos baixos e voz entrecortada, falou tudo o que eu queria ouvir, como se não existisse o intervalo, a separação. Vi paixão em seu olhar, quando percorreu meu rosto, cabelos e colo.  Vi fome e sede perdidas no desamparo. Não me deixando dizer palavra, contou das madrugadas nos bares, da bebida, da busca de alguém que pudesse preencher o vazio que eu havia deixado. Presa à cadeira, vivi momentos de martírio, me digladiando entre razão e sentimento; entre a vontade de fugir ou ficar pra sempre entrelaçada àquelas mãos. Acabar com o sofrimento que marcava minha carne. Ouvia tudo sem falar. Me deixava acariciar por palavras que eu tinha exilado de minha vida. Como pude viver sem elas? Procurei em vão outras bocas, outros braços, sempre na espera que me trouxessem a paz de me saber curada. Nem mesmo a lembrança do quanto havíamos nos magoado, ferido, me fizeram acordar. Fraca, entregue, não resisti ao beijo faminto e às promessas que vieram com o sabor do vinho.

A madrugada mostrou sua nudez. A paixão subiu os dois lances de escada, tropeçando nos degraus, em risos abafados plenos de álcool. As roupas largadas pelo caminho, esquecidas diante da pressa do amor. E na penumbra, fechei os olhos e reconheci cada pedaço daquele corpo; palmilhei cada centímetro, como um posseiro que retoma sua terra. Ocupava o espaço que tinha sido meu, e trazia de volta o prazer ao corpo cansado de peregrinar. Peregrino de volta à pátria, à sua terra; volta de um exílio sem fim. Reencontrar o calor da pele, me aninhar em seu peito como criança frágil e desejar que o dia nunca amanhecesse. Os gestos familiares, o cheiro, o sexo. Tudo me levou ao gozo entre soluços. Poderia estar sonhando, mas não; era real. Passado o turbilhão, os corpos, lado a lado. Ninguém se arriscava a quebrar o silêncio que crescia de forma aniquiladora pelas paredes. Qualquer palavra seria como um fino cristal que podia se quebrar ao menor movimento. As mágoas, desacertos e ausências invadiram pouco a pouco, ocupando o quarto, preenchendo cada canto. Permanecemos inertes. Cada um com o que sobrara daquela loucura. E o silêncio, pesando cada vez mais. Depois, o sono. Marco ressonava quando me afastei. Olhei aquele homem que dormia como uma criança. Acariciei seu rosto, passando os dedos por seus cabelos e levantei-me. Pisando leve, encostei a porta do quarto, recolhi as roupas do chão, calcei os sapatos e sai.

Para sempre.


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