KO
Nara Accorsi
Os holofotes se apagam e, aos poucos, o cenário de espetáculo transformado em abandono. A multidão, em debandada, se dispersara ruidosamente para a saída, deixando cadeiras tombadas, papéis e copos de plástico espalhados pelo chão, pisoteados. O ginásio é só silêncio. No ringue vazio, as banquetas caídas, toalhas largadas sobre as cordas, e outros vestígios de um grande embate. A Grande Final. Fãs, repórteres, treinadores, todos já deixaram o local.
O longo corredor de vestiários está na penumbra. Apenas um facho de luz risca o piso frio, levando à uma das portas entreabertas. A estrela dourada com o nome Kid América brilha. No centro da pequena sala, sob o foco da lâmpada, está o campeão – agora ex-campeão. Prostrado, cabeça baixa, cabelos em desalinho, úmidos de suor. O rosto machucado, as luvas sobre o banco, inicia o desenrolar das bandagens. Olha os punhos que hoje o traíram; as mãos e o corpo todo, na dor maior que durante muitos anos fizera o adversário sentir. Não só o mal físico, intenso, mas a dor do fracasso. O ídolo, afinal, reconhecia a derrota há tanto tempo esquecida.
Nos primeiros embates, quase menino, cada vez que caía, tornava a levantar impulsionado pelo desejo de lutar. Mais e mais, em busca da vitória. Quando a encontrou, abraçou-a. Não a deixou fugir. Acostumou-se aos aplausos, gritos, apostas; sucesso na mídia, imagem de força e garra.
A boca amarga, o gosto de sangue nos lábios dilacerados por um gancho perfeito; a lembrança dos lances, do ginásio lotado, dos espectadores. No sexto assalto, um golpe o jogou na lona. Ouviu o juiz contando: um, dois, três, quatro… Levantou e aguentou mais dois rounds. Uma direta certeira o jogou contra as cordas e o desafiante atacou sem piedade. Desabando, apanhou até cair. De longe, chegava aos ouvidos…oito, nove, dez! Uma cortina escura desceu. Só voltou à consciência quando, no vestiário, se encontrou – sozinho e com a toalha jogada no chão.