Tom Saldanha em foto de Mau Saldanha

Esperança

Tom Saldanha

É fácil matar um homem: basta convencê-lo de que o

 o que ele faz não interessa a ninguém. (Dostoiévski)

Uma cena quase comum: um velho, um banco de praça e uma bicicleta. Mas o olhar era diferente: de descanso. Não de descansado, que isso ele não era; mas de quem estava tentando. Também não era de descaso, por isso aquele n, ali no meio, fazia tanta diferença. E ela era muito mais do que seu meio de transporte: era parte sua, fazia muito tempo. Ficar olhando a bicicleta despertava uma nostálgica esperança. Ela sempre carregou, junto com ele, tudo em que acreditava. Era pouco, mas era tudo para ele.

Seus sonhos, que não eram grandes, ainda eram muitos. Às vezes tentava organizá-los, colocar em ordem de prioridade; era difícil, já que todos eram importantes. Como saber se visitar a filha que morava longe devia preceder a compra do brinquedo para o netinho que estava sempre perto? Como ser justo? Uma bijuteria no aniversário da esposa ou um naco a mais de charque para o carreteiro de domingo com a visita do irmão?

Era impossível imaginar a vida sem aquela bicicleta. Mesmo envelhecida e judiada, sem algumas partes, cuja falta ele já nem sentia mais, ainda era o meio que possuía para deslocar-se de um bico a outro.

Sabia fazer consertos básicos em eletricidade e hidráulica, destravava janelas emperradas e ajustava fechaduras que teimavam não abrir – ou não fechar. Há muito que o banco da praça se transformara em escritório: ali esperava contato de algum cliente que sabia como encontrá-lo. Estes trocados complementavam a aposentadoria que servia basicamente para financiar a alimentação e os remédios. As faxinas da mulher pagavam o quarto da pensão e ajudavam em alguma outra necessidade.

A cena comovia ainda mais quando saía a pedalar. Chamava atenção uma pequena plaquinha amarrada no para-lama traseiro da bicicleta, onde dava pra ler:

“CONSERTO TUDO: MEU NOME É ESPERANÇA”


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