Não era filha de reis. Seu pai era bancário e sua mãe, professora. Seu nome nem era Rapunzel. Bem podia ser Ana, Maria, Laura ou Vitória. Sua infância foi feliz em Porto Alegre. Brincava com as crianças da vizinhança e seus pais a amavam e protegiam, até demais.
Ainda assim, ao tornar-se mocinha, começou a perceber certos olhares sobre o seu corpo dos quais não gostava. Ouvia comentários que a constrangiam e a amedrontavam. Não eram feitos por bondade. Muitas vezes debochavam de suas falas e de suas perguntas. Passou a se sentir desajeitada.
Ainda assim, quanto mais riam, mais se esforçava para agradar a todos. Esforços inúteis. Acreditando-se imperfeita e errada, subiu ao quarto mais alto da casa em que vivia, parecido com uma torre. Ninguém a trancou lá. Trancou-se.
Não adiantavam a insistência dos seus pais e as tentativas das colegas de escola. Dali não queria sair nem para cortar o cabelo, liso e longo. Mergulhou na Internet e nos livros. Assim, de sua torre, observava o entorno, o mundo e a sua alma.
Às vezes, quando obrigada, fazia incursões para o lado de fora. Nesses momentos, penteava-se muito bem e de sua longa trança apertada nenhum fio escapava. Não queria que comentassem sobre os seus cabelos.
Foram anos de contemplação. Externa e interna. Porém, o tempo e as leituras permitiram que, aos poucos, entendesse que o mal que tanto enxergava nas outras pessoas só a atingiria se permitisse.
Soltou os cabelos, desceu da torre e baixou a sua nova versão. Descabelada.