Tetê Lopes em foto de Carlos Eduardo Vaz

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Tetê Lopes

Pétala. Ranhura. Não é preciso ser estudioso da língua portuguesa para perceber que essas duas palavras transmitem ideias diversas. Pétala é quase uma brincadeira, lembra la-la-la, assim um tanto musical, de uma singeleza que faz jus à imagem de algo delicado, voejante talvez. Ranhura tem o “r” que rasga, tem esse “u” que evoca profundeza, certa obscuridade, o sigilo de um talho, uma brecha, uma fissura.

Flor. Madeira. Essas parecem inconciliáveis, uma tão miudinha, concisa, não precisa mais do que uma sílaba para expressar algo efêmero, e o “r” final remete a alguma continuação, como um verbo que se transformará em florir, florescer… o efêmero que vai durar o prazo de uma estação e vai adormecer até o novo tempo de desabrochar. Madeira, esta é dura. Pode ser maleável, pode ser ultrajada por insetos, mas a estrutura é firme, rígida. A palavra mostra: madeira, sem “r” final, sem “us” obscuros, só madeira e ponto. Seca, dá seu recado e se deixa lanhar.

Pólen. Seiva. Aqui os conceitos são algo semelhantes. Pólen e seiva, alimentos que vão servir para gerar novos seres. Pólen parece mais fluido, o “n” final leva a imaginar os pequenos grãos que se desprendem, espalhando-se no ar e fecundando as plantas ao redor. Como se reticências fossem obrigatórias ao final da palavra: pólen… e os minúsculos grãos reprodutores se espalham pelo ar. Seiva, líquido que circula nas árvores, carregando água e nutrientes. O mesmo trabalho e o mesmo “s” do sangue que percorre nossos corpos. Termo também um tanto duro, como a madeira por onde se desloca, mas suavizado pelo “s” inicial, “s” que pode traduzir movimentos, sinuosidades.

Coisa muito bela é a formação – e a transformação – da linguagem. E quando olhamos as palavras com cuidado, carinhosamente, buscando aliar os sons de cada letra ao significado da palavra inteira, como são ricas as descobertas que nos aguardam e nos fazem sentir tal qual desbravadores de novos percursos. Martírio, voraz, saltimbanco, muralha, amiúde, cruciante, estrépito – e milhares de outras se oferecem a nosso desvelo.

Em tempos em que a simplificação da escrita tem sido muito presente nos diálogos, quando a rapidez das mensagens parece ser o fator mais relevante, seria bom exercitarmos o resgate das belas palavras, unidades da língua escrita que nos proporcionam uma das maiores distinções da convivência humana: a comunicação.

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