Nasce-se sabendo sorrir? Ou não, aprendemos? Para o primeiro caso, sorrir seria, então, um instinto humano? Para o segundo, quem teria criado o gesto e, depois, seu legado? Alguém já deve ter pesquisado a respeito e colhido respostas científicas. Eu, neste caso, apostaria minhas fichas no efeito espelho: a criança aprende a sorrir porque são sorrisos o que mais lhe chega nos primeiros dias pós-uterinos. E em muitos outros, com sorte. Bom, o efeito espelho nos remete ao paradoxo do ovo e da galinha – o que veio primeiro, o sorriso de ida ou o de volta?
As marcas de expressão sulcadas em minha face denunciam uma vida cheia de sorrisos. Todos os tipos: de humor, com graça, de encantamento, para sedução, de nervoso, de soslaio, por educação… Tenho a ofertar sorrisos sem mostrar os dentes, com todos os dentes visíveis e chego fácil às gargalhadas com oferta de amígdalas à mostra. Desde a chegada da Agatha, mais e novos motivos para sorrir adivinham que terei mais rugas na medida em que rejuvenesço. Sim, uma contradição a ser trabalhada. Botox? Acho que a vaidade não chega ao ponto de escolher agulhadas.
Conheço bons sorridentes (Agatha chegou a me assustar no nosso primeiro encontro, pois é econômica à primeira vista, mas depois se mostrou hábil na arte de sorrir). Coleciono os mil estilos de Vanessa sorrir e olho para eles com devoção. A ventura de manter amigos antigos é garantia de trocas muito intensas, família amorosa também, além de trabalhar com grupos. Os grandes sorridentes sorriem com o rosto inteiro. Com o corpo inteiro, eu acho. Sorrisos fartos e carinhosos e divertidos e contagiantes e acolhedores. Habito uma sala de mil espelhos.
Porém, sempre me surpreendo com pessoas com alguma dificuldade para compor um sorriso espontâneo. Não falo aqui das tristezas – condoído que fico diante de sofridas histórias de vida. Refiro-me a quem parece não saber sorrir de e com verdade (na ficção, lembro-me do Sheldon Cooper, da série The Big Bang Theory, atuação primorosa de Jim Parsons). O que opera dentro destes seres para regular uma manifestação tão maravilhosamente despojada? A única explicação é a de evitar a fragilidade. Sorrir compõe nossa habilidade de reagir com acolhimento e, no fim, acolher é arriscar-se a confiar no outro.
Talvez esteja aí o segredo escondido na máxima de, primeiro e antes de tudo, provocar um sorriso em quem se deseja amar e ser correspondido. Agatha sorriu de volta durante nosso segundo encontro, abrindo-se para o imenso amor que lhe entrego. Vanessa me sorri todos os dias há dez anos. Troco risadas com irmãos, amigos, colegas e alunos sem parar. Encanta-me ver qualquer cena de rua que envolva sorrisos. Receber e ofertar sorrisos é garantia de esperança e afeto. A dificuldade de sorrir deve de alguma forma estar relacionada com a dificuldade de amar.
É quando cabe outra tese: não há outro, se não o amor franco.
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