Cheirinho Bom
Alexandre Wahl Hennigen
Quando eu era pequeno, era costumeiro que fôssemos visitar minha avó aos finais de semana. Ela nunca morou longe, apenas quatro ou cinco quadras de nós. Meus pais até diziam “vamos dar um pulinho lá em cima”, referindo-se à sua casa no pé do Morro do Osso. Éramos sempre recebidos com alguma comida: pães, presunto, manteiga, requeijão, geleia, leite com Toddy – e eu reclamava que preferia Nescau.
Não tenho certeza sobre as imagens que se criam na minha mente. Talvez eu construa a forma do pão diferente do que era, a cor da geleia devia ser mais clara ou mais escura, nunca vou conseguir determinar uma ocasião específica em que comi doce de abóbora ou de figo. Disto, entretanto, lembro-me com exatidão: o cheiro de bolacha água e sal com café. Esse cheiro é um dos gatilhos para que se pintem cenas da infância.
Certa vez eu estava passando ao lado da copa do escritório e fiquei estupefato. Estiquei o pescoço pela porta e deparei-me com duas imagens: uma, no presente, de bolachas na pia e café sendo feito numa Nespresso; outra, no fundo da cabeça, da mesa posta com pratinhos e xícaras, um pacote transparente de bolachas quadradas com furinhos e o vapor saindo do filtro de pano, inundando o ambiente. Eu devia ter cinco ou seis anos; o ponto de vista, portanto, era outro. Eu via tudo de baixo para cima.
Às vezes sou tomado por saudosismo quando o nariz é atingido. São lembranças fáceis e fiéis: do pé de erva-doce na casa de praia quando a água da caixa caía em cima dele, do salsichão torrando na churrasqueira nos finais de semana, das jujubinhas azuis de alcaçuz que até hoje detesto, das hortênsias no pátio dos fundos da escola entre as quais me imbricava, da pitangueira no caminho de volta pra casa. São reações em cadeia libertadas por uma simples farejada.
O mundo não era melhor antigamente, os jovens é que são mais felizes em todos os tempos. Por isso, como diz Valter Hugo Mãe, os velhos confundem a vontade de voltar à juventude com o desejo pelo retorno da ditadura. A ignorância e a negação protegem-nos das más recordações. A gente lembra o que era bom, porque na época sequer conhecia o que era mau.