Iara Tonidantel em foto de Alexandre Eckert

Quem mora ao lado

Iara Tonidantel

 

– Iara, te achei na rede. Aqui é Izabel, lembra? Tua vizinha na infância.

Nasci em um bairro horizontal. Não havia prédios verticais. Somente casas, com jardins, pátios com pássaros voando, pomares, hortas e, claro, um belo balanço, feito de forma artesanal, com um pedaço de madeira e corda, voando para frente e para trás, pendurado em uma árvore gigante.

Muitas casas nem cercas tinham. Espaços que, hoje, poderiam receber a identificação de condomínios horizontais.

As famílias eram mais numerosas, pois os casais tinham mais filhos. Os parentes moravam próximos uns dos outros. E os vizinhos! Estes faziam parte das famílias, crianças nasciam e cresciam brincando juntas, nas áreas que nem divisórias territoriais precisavam. Cada um tinha a noção exata de qual área pertencia à sua morada quando era necessário, embora no dia a dia estes espaços fossem compartilhados.

Vida comunitária.

Um ficava doente, todos se mobilizavam para prescrever o chá mais adequado, a medicina da hora, chamar a benzedeira mais famosa. Ou, simplesmente, fazer companhia, jogando conversa fora, em escala de revezamento, para o enfermo.

Rolava a notícia do dia: algumas crianças não estavam apresentando bom desempenho escolar. Não se sabia de onde surgiam tantos professores voluntários para atender estas demandas. Rapidamente eram apresentados os agendamentos de horários, locais e os conteúdos a serem revisados. Quase uma maratona pedagógica.

Serviços gerais eram desempenhados por quase todos. Se um cano quebrasse, lá vinha o fulano de uma das casas com a maleta de ferramentas e, muitas vezes, com o próprio material ou peças necessárias para o conserto ou restauro.

Domingo. Ah os domingos!

Iniciavam geralmente na sexta, com o planejamento do cardápio, das bebidas e das atividades equacionadas em: para adultos e para crianças. No sábado à tarde, a mulherada ia para a cozinha preparar os quitutes. Crianças ficavam soltas, aproveitando os dias de sol ou chuva, tanto fazia. Barracas eram armadas pelos homens nos pátios e era permitido brincar com as poças e a água que vinha das nuvens.

Assim, nós crianças, fomos crescendo. E a cidade também. Para os lados e para cima. Muito para cima. As moradias foram ficando menores na horizontal e imensas na vertical, abarcando muitos endereços. Pátios ficaram difíceis de encontrar, tendo sido substituídos por pequenas áreas de lazer internas aos milhares de espigões. Grandes mercados colocaram os pomares e as hortas nas memórias. Parentes moram em todos os lugares do mundo. Casas unitárias, cada vez mais raras. E vizinhos dos prédios, em geral, se desconhecem, a não ser que seja organizada uma assembleia geral para atender questões de interesse dos moradores.

E os domingos?

Estes se apequenaram e pequenos grupos decoram as praças em finais de semana ensolarados. Mas minha amiga de infância me encontrou! Na rede.

– Izabel! Querida! Quanta alegria em falar contigo. Vamos combinar um café?

– Claro! Vou te receber aqui em casa. Meu endereço é…

– Izabel, este é o meu endereço! Só que o número é 1801!

 

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