Tom Saldanha em foto de Gabriel Munhoz

Olhar treinado

Tom Saldanha

Na beira de um caminho estreito, em um pequeno bosque, seus olhos perceberam um quadro com alta dose de surrealismo. Recuou um pouco para enquadrar novamente o que conseguira ver. A imagem já era uma obra pronta e acabada. Bastava-lhe apenas o registro.

Flores ainda viçosas, entre galhos retorcidos e objetos descartados, compunham um estranho arranjo. Mais ao fundo, num claro segundo plano, uma cruz cravada na grama. Ornada por duas flores artificiais que mais pareciam Estrelas de Davi, era o esboço da saudade que ajudava a compor a cena situada entre o onírico e o bizarro.

Tinha fascínio pela captura de elementos compostos pela aleatoriedade e pelo imprevisto, artistas tão comuns no nosso cotidiano. Só mesmo um modelo ditado pelo acaso, somado à imaginação de quem cata imagens por onde anda, para juntar aqueles símbolos de parceria pouco – ou nada – usual.

Estruturas estéticas surpreendentes podem estar à espreita, aguardando serem descobertas por um olhar mais atento. Quando alguém deixa que seus olhos sejam os guias da sua percepção criativa, tudo pode acontecer. E esta é uma das características que nos eleva acima de todos os outros animais: a capacidade de enxergar e criar coisas que não existem dentro do plano real.

Seria a cruz uma homenagem a alguém que ali tombou em um antigo inverno? Eram as flores a sobra silenciosa de uma rumorosa festa? E os objetos abandonados: espólio de um amor que não deveria deixar vestígios?

Vai imaginação! Viaja além do registro concreto para que a representação do sonho ganhe peso, gosto e cheiro. Para que em algum lugar, algum tempo, outros possam admirar e chamar por diferentes nomes aquilo que guardamos como o maior tesouro a nós confiado.

O poder de inventar com o coração e a mente o que os sentidos jamais apreenderam.

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