Nara Accorsi em foto de Tom Saldanha

Hoje tem espetáculo!

Nara Accorsi

Das inúmeras profissões que um dia pensei seguir, entre manicure, professora e aeromoça, está a de trapezista. Voar nas cordas sob os holofotes, em malhas bordadas com lantejoulas multicolores; arrancar suspiros e a atenção da plateia voltada para o alto nas acrobacias do trapézio, foi um dos meus sonhos. Pisar no picadeiro, receber o aplauso e pedidos de bis. A vida de fascínio que o circo me transportava, começou quando vi Águia de Prata saltando no vazio, embalando o corpo num voo semelhante ao de uma ave. Bravo!

A cada dia um novo combate, um novo desafio. Sob a lona aberta, guarda-chuva gigante, às vezes colorido, às vezes sombrio, tudo acontece. É dia de espetáculo. O deslumbramento começa com a chegada da trupe na cidade. Ansiedade, expectativa. Vamos, papai, vamos?

O sonho é comprado na bilheteria. O piso, coberto de serragem, exala o cheiro forte de madeira que se mistura ao de bosta dos animais que aguardam nas jaulas. A entrada se apresenta como a bocarra de um palhaço engolindo o público, que entra sumindo no escuro. Lá dentro, a espera da diversão é feita nas arquibancadas, depois de vencidos os altos degraus.

O espetáculo inicia: Respeitável público!  O mestre de cerimônias anuncia: Luzes, música, ação! Gozo e desconforto, alegria e medo. Envolvidos por mistérios, truques e segredos, aplausos e sobressaltos acontecem. Cachorros amestrados, malabaristas. O barulho do chicote assoviando na mão do domador estremece o pequeno coração; tigres e leões pulam a argola de fogo com sucesso. A tensão acaba com chegada dos palhaços. Roupas extravagantes, flor na lapela e enorme nariz vermelho. As crianças embarcam nas cambalhotas e trapalhadas. Quanto mais tropeços, mais o povo vibra. Na cara pintada de branco, a lágrima preta. Papai, palhaço também chora?

A grande atração da noite se aproxima do centro do picadeiro. Rufam os tambores. O foco de luz o acompanha. Águia de Prata cumprimenta o público e, num gesto rápido, sobe pela corda e some no vazio aparecendo momentos depois no trapézio. Da barra, a expectativa, o suspense e o salto. Cabeças o seguem no vai e vem do balanço. Aplausos, gritos, assovios.

Fim de espetáculo. Arena vazia, povo disperso. O silêncio fica quando as luzes se apagam. A alegria propagada não convence a todos. Atrás da cortina, vidas errantes, precariedade, animais famintos, dramas pessoais; tudo é suspenso para que o espetáculo continue. À cada noite.

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